Violência Autoprovocada e Suicídio
A violência autoprovocada e o suicídio representam desafios complexos e urgentes no exercício profissional de psicólogas(os). Como profissionais da área da saúde, é essencial compreender, avaliar e intervir diante de questões sensíveis e multifacetadas. Esta orientação técnica visa fornecer informações fundamentais, baseadas na legislação vigente. Como apontado anteriormente, este tema é complexo e tem múltiplas causas, afetando indivíduos e grupos de pessoas de diversas origens, gêneros, culturas, classes sociais e faixas etárias. Sua origem pode estar relacionada a uma variedade de fatores, incluindo aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, psicológicos, psicopatológicos, entre outros.
Primeiramente é importante apontar alguns dispositivos legais relevantes que podem estar associados ao tema. Neste sentido, cabe destacar a lei 10.216/2001, que se insere no contexto da reforma psiquiátrica e dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. É importante conhecer esse dispositivo pois é essa Lei que irá discorrer sobre a possibilidade de internação, cabendo indicar que:
§ 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Além do dispositivo citado anteriormente, outra legislação importante a ser considerada é a Lei 13.819/2019, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. Tal documento irá indicar algumas obrigatoriedades a serem seguidas psicólogas a depender do contexto e irá definir, nos termos da Lei, o que é entendido como “violência autoprovocada”, de modo que:
I – o suicídio consumado;
II – a tentativa de suicídio;
III – o ato de automutilação, com ou sem ideação suicida.
Atendo uma pessoa que apresenta ideação suicida, como devo proceder?
Primeiramente, cabe apontar aspectos relevantes que constam no Código de Ética Profissional da Psicóloga, no qual, em seus princípios fundamentais, aponta que:
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.
Além disso, é importante ressaltar que são deveres fundamentais de profissionais de psicologia prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, e assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente. Nesse sentido, a psicóloga deve sempre refletir criticamente sobre sua capacidade para responder a demanda em questão. Caso não esteja capacitada para atender essa demanda, a profissional deve proceder de acordo com a alínea ‘k’ do Artigo 1º do nosso código de ética:
k) Sugerir serviços de outros psicólogos, sempre que, por motivos justificáveis, não puderem ser continuados pelo profissional que os assumiu inicialmente, fornecendo ao seu substituto as informações necessárias à continuidade do trabalho;
Considerando a complexidade do tópico, recomenda-se que a profissional de psicologia busque o aprimoramento profissional constante e a supervisão técnica, de modo a obter suporte no que tange estratégias de cuidado e manejo adequadas para os beneficiários do serviço. Além disso, é importante conhecer as políticas públicas e os recursos disponíveis no município, tais como os serviços de atenção psicossocial como os CAPS ou outros equipamentos da saúde que possam absorver demandas de saúde mental.
No contexto das políticas públicas, o Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) possui referências técnicas que podem fornecer informações que irão auxiliar a psicóloga a compreender os procedimentos da Rede de Atenção Psicossocial local, incluindo os serviços de atendimento de emergência e urgência, como unidades de saúde e hospitais.
Dependendo da gravidade da situação e da avaliação técnica, outros serviços poderão ser acionados ou ainda a família e a rede de apoio poderão ser envolvidas, o que pode exigir a quebra do sigilo profissional. Caso seja necessário proceder à quebra de sigilo, a profissional deverá considerar criticamente as possíveis implicações éticas da comunicação. Para tanto, sugere-se consultar a orientação específica sobre este tópico.
Atendo uma pessoa que realizou uma tentativa de suicídio, como devo proceder?
Primeiramente, é importante destacar a obrigatoriedade da notificação compulsória deste evento. Neste ponto, é primordial destacar a Lei 13.819/2019 que irá informar sobre a notificação compulsória dos casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada para as autoridades adequadas e, conforme apontado em seu Artigo 9º, proceder à comunicação da autoridade epidemiológica no que couber. Neste sentido, o anexo da Portaria nº 1.271/2014 indica que a tentativa de suicídio integra a lista de agravos que deve ser notificada á Secretaria Municipal de Saúde. Conforme disposto nessa lei:
I – estabelecimentos de saúde públicos e privados às autoridades sanitárias;
II – estabelecimentos de ensino públicos e privados ao conselho tutelar.
Conforme indicado no segundo parágrafo deste mesmo artigo, para os casos citados no inciso I que envolvem criança ou adolescente, é o conselho tutelar que deverá receber a notificação. Cabe ainda apontar a responsabilidade da psicóloga observar o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) frente a possibilidade de outras formas de violação de direitos ou violência sofridas pela criança/adolescente:
Art. 13 Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. (Redação dada pela Lei nº 13.010, de 2014)
Por fim, a lei em questão informa que a notificação compulsória prevista no artigo 6º tem caráter sigiloso, e as autoridades que a tenham recebido ficam obrigadas a manter o sigilo.
Fiz o encaminhamento da pessoa a outro serviço de saúde, mas ela se recusa a ir. Como devo proceder?
No cuidado de pessoas vulneráveis ao suicídio, é primordial que haja uma atuação multidisciplinar de modo a qualificar o atendimento prestado. Além disso, é preciso considerar que essa forma de atuação irá distribuir a responsabilidade entre diversos profissionais, além de possibilitar a integração de diversas áreas de conhecimento.
Conforme citado anteriormente, acionar a rede de atenção psicossocial pode ser uma medida importante a ser tomada nos casos de violência autoprovocada e tentativa de suicídio. Entretanto, apesar de a psicóloga indicar a existência de serviços e equipamentos de saúde, o sujeito adulto não pode ser obrigado a acatar um encaminhamento, pois conforme disposto na Constituição Brasileira:
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
A Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) ressalta a importância, e obrigatoriedade, de a psicóloga registrar os serviços prestados, conforme a Resolução CFP 01/2009, e orienta que todas as tentativas de oferta de serviços psicológicos devem ser registradas no prontuário do paciente. Para mais informações sobre Prontuário e Registro documental, acesse a orientação sobre o tópico clicando aqui.
Conforme indicado em outros tópicos, é importante que a psicóloga possua capacitações sobre o tema e conte com supervisão sempre que possível, de modo a ter repertório adequado para manejar a situação.
Multimídia:
Para saber mais:
Lei nº 8.069/1990 – dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
Lei nº 10.216/2001 – dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental
Lei nº 13.819/2019 – institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio
Caderno do CFP sobre Suicídios e os Desafios para a Psicologia - Material produzido pelo Conselho Federal de Psicologia
Prevenção do Suicídio: manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental - Material produzido pelo Ministério da Saúde
Caderno de Orientação CRP-DF - Material produzido pelo CRP01 com orientações para a atuação profissional frente a situações de suicídio e automutilação
Assuntos Relacionados:
As informações contidas nesta seção de orientação foram revisadas pela última vez em 05/03/2024 e são um recorte, não esgotando de modo algum o assunto. Os canais de comunicação do Conselho estão abertos e dispostos a acolher as suas demandas de acordo com a possibilidade, a competência e o escopo de atuação do Conselho. Caso necessite de mais orientações, a demanda poderá ser encaminhada para o e-mail cof@crpmt.org.br ou então pelo contato de autoatendimento via WhatsApp +55 65 9 9235-4113.