Duplicidade de Vínculo

Aspectos gerais da duplicidade/multiplicidade de vínculos

O vínculo entre as profissionais de psicologia e os usuários/beneficiários dos serviços psicológicos é uma parte fundamental da prática profissional, devendo ser pautado por princípios éticos. A relação estabelecida entre a psicóloga e o cliente, seja ele uma pessoa, grupo ou organização, deve ser construída sem que haja interferências que possam comprometer a qualidade do serviço. O Código de Ética Profissional da Psicóloga (CEPP) orienta que as profissionais de psicologia assumam responsabilidades apenas por atividades para as quais estejam capacitados, prezando sempre pela confidencialidade e proteção da intimidade dos atendidos.

Em contextos específicos, como na avaliação psicológica ou na psicoterapia, o vínculo entre psicólogo e paciente pode impor restrições éticas. Por exemplo, a psicólogo não deve atuar como perita ou assistente técnica de uma pessoa que já tenha atendido em psicoterapia, ou em situações em que existam vínculos pessoais ou profissionais prévios que possam interferir no serviço. Além disso, o atendimento a familiares, amigos ou colegas é desaconselhado, visto que a duplicidade de vínculos pode prejudicar a isenção necessária para o exercício da profissão.

O trabalho em diferentes frentes de atuação, como clínica e organizacional, ou em campos diversos com a mesma pessoa, também deve ser cuidadosamente avaliado. Sempre que houver a possibilidade de prejuízo ao serviço prestado, é recomendado o encaminhamento do caso a outro profissional. As profissionais de psicologia têm a autonomia de decidir sobre a viabilidade de atender a uma nova demanda, mas devem fazê-lo com responsabilidade ética, assegurando que o vínculo estabelecido não comprometa os objetivos do trabalho ou os direitos dos usuários. Nesse sentido, cabe apontar alguns dispositivos importantes do CEPP:

Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
b. Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente;
c. Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional;
e. Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos do usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia;

Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
j. Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado;
k. Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação;

 

Devido a sua complexidade, a seguir estão sumarizadas algumas dúvidas/questões relativas a contextos/situações de atuação específicos:


Duplicidade de vínculos no contexto da Psicoterapia

A Resolução CFP 013/2022 estabelece diretrizes para a prática da psicoterapia, ressaltando a importância do compromisso ético dos psicólogos em evitar vínculos que possam prejudicar o atendimento e interferir nos objetivos terapêuticos. Ela orienta a necessidade de encaminhamentos multiprofissionais quando o caso requer. A resolução também proíbe que o psicoterapeuta atue como perito ou assistente técnico em casos envolvendo pacientes atuais ou antigos, assim como seus familiares. De acordo com a Resolução CFP 013/2022:

Art. 2º Ao prestar serviços de psicoterapia, a psicóloga e o psicólogo devem fundamentar-se nos seguintes princípios:
III – compromisso ético de não estabelecer, com a pessoa atendida, família, casais e demais grupos e conhecidos, vínculo que possa interferir negativamente e causar prejuízo aos objetivos do serviço prestado;

Art. 3º Ao prestar serviços de psicoterapia, a psicóloga e o psicólogo devem:
VI – proceder aos encaminhamentos, inclusive multiprofissionais, conforme as necessidades do caso;

Art. 6º À psicóloga e ao psicólogo psicoterapeutas, é vedado atuar como perito ou assistente técnico de pessoa por ela e por ele atendida, atual ou anteriormente, bem como de familiar ou terceiro vinculado ao atendido.

Complementando, a Resolução CFP 008/2010, que dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no Poder Judiciário, reforça que, em situações de litígio, a psicóloga que atua como psicoterapeuta das partes envolvidas está impedido de exercer funções periciais, visando a preservação da intimidade e a equidade. Nesse sentido, é importante destacar o seguinte dispositivo desta Resolução:

Art. 10 – Com intuito de preservar o direito à intimidade e equidade de condições, é vedado ao psicólogo que esteja atuando como psicoterapeuta das partes envolvidas em um litígio:
I – Atuar como perito ou assistente técnico de pessoas atendidas por ele e/ou de terceiros envolvidos na mesma situação litigiosa;
II – Produzir documentos advindos do processo psicoterápico com a finalidade de fornecer informações à instância judicial acerca das pessoas atendidas, sem o consentimento formal destas últimas, à exceção de Declarações, conforme a Resolução CFP nº 07/2003 (Resolução revogada pela Resolução CFP 006/2019).
Parágrafo único – Quando a pessoa atendida for criança, adolescente ou interdito, o consentimento formal referido no caput deve ser dado por pelo menos um dos responsáveis legais.

 

Duplicidade de vínculos no contexto da Avaliação Psicológica

De modo sucinto, há duas resoluções que impõem restrições éticas na prestação de serviços psicológicos em razão de vínculos com usuários ou terceiros. A Resolução CFP 001/2022 proíbe a realização de Avaliação Psicológica para Registro e Porte de Arma de Fogo caso a psicóloga tenha interesse direto ou indireto na aprovação, vínculo familiar ou litigioso com o interessado, ou relação com instituições de formação relacionadas. Além desta, há ainda a Resolução CFP 002/2016 que regulamenta a Avaliação Psicológica em Concurso Público e processos seletivos. Este dispositivo normativo estabelece que, em caso de recurso administrativo, o candidato pode ser assistido por um psicólogo sem vínculo com a comissão avaliadora, a qual deve ser substituída por uma Banca Revisora sem conflitos de interesse. Assim, os profissionais devem considerar a natureza dos serviços, aspectos legais e éticos, e declarar impedimentos quando necessário.

Em suma, a psicóloga deve refletir criticamente sobre a natureza dos serviços prestados e possuir disposição para declarar impedimentos nos casos em que estiver impossibilitada de prestar seus serviços devido a duplicidade de vínculo. O exercício ético da Avaliação Psicológica enseja obrigatoriamente a observação do CEPP e das demais normativas citadas.

 

Atendimento de familiares, amigos, colegas e conhecidos

Considerando as normativas profissionais, a psicóloga estará sujeita a questionamentos éticos envolvendo a duplicidade de vínculos quando essa duplicidade puder ocasionar prejuízos ao serviço prestado, conforme indicado no CEPP. Em situações em que as profissionais da Psicologia recebem demandas para atender amigos, familiares, conhecidos ou colegas de trabalho, a duplicidade de vínculo fica evidente, ressaltando a necessidade de encaminhamento a outro profissional ou órgão qualificado para prestar o atendimento.

Conforme ressaltado anteriormente, o Código de Ética estabelece como deveres fundamentais das psicólogas sugerir serviços de outros profissionais sempre que, por motivos justificáveis, não puderem continuar com o atendimento. Também é vedado ao psicólogo estabelecer relações com a pessoa atendida, familiares ou terceiros que possam interferir negativamente nos objetivos do serviço, além de atuar como perito ou avaliador quando seus vínculos pessoais ou profissionais possam afetar a qualidade do trabalho.

Por outro lado, é preciso ainda considerar os casos aos quais a profissional de Psicologia atua em um equipamento/estabelecimento público e constata a duplicidade de vínculos. Como esta relação pode interferir negativamente nos objetivos do serviço, orienta-se que a psicóloga dialogue com a equipe para construir estratégias adequadas de atuação/manejo, encaminhando se possível e sempre primando pela ética profissional e pela garantia dos direitos dos usuários ao acesso a serviços de qualidade. Importante destacar que, em muitos municípios de pequeno porte, a oferta de serviços psicológicos pode estar restrita a um pequeno número de profissionais de psicologia, o que enseja que o serviço seja prestado ainda assim, de modo que o beneficiário do serviço não fique desassistido.

A decisão sobre a prestação do serviço deve passar por uma reflexão ética e avaliação técnica, com ênfase na qualidade do atendimento e respeito pelos preceitos éticos da profissão. A Comissão de Orientação e Fiscalização ressalta que o trabalho da psicóloga deve estar sempre embasado na ciência da Psicologia e na autonomia profissional, exigindo responsabilização pelo serviço oferecido.

 

Profissionais de psicologia distintos atendendo simultaneamente a uma mesma pessoa

Embora uma beneficiária do serviço de Psicologia possa solicitar que mais de uma profissional preste serviços psicológicos, cabe à psicóloga informar sobre essa impossibilidade nos casos em que a situação não estiver de acordo com o Artigo 7º do Código de Ética:

Art. 7º – O psicólogo poderá intervir na prestação de serviços psicológicos que estejam sendo efetuados por outro profissional, nas seguintes situações:
a. A pedido do profissional responsável pelo serviço;
b. Em caso de emergência ou risco ao beneficiário ou usuário do serviço, quando dará imediata ciência ao profissional;
c. Quando informado expressamente, por qualquer uma das partes, da interrupção voluntária e definitiva do serviço;
d. Quando se tratar de trabalho multiprofissional e a intervenção fizer parte da metodologia adotada.

 

As situações específicas indicadas acima apontam para a possibilidade da prestação de serviços a pessoas que já estejam sendo atendidas por outras profissionais de psicologia, desde que com a devida análise técnica e fundamentação. No trabalho multiprofissional, é permitido que mais de uma psicóloga preste serviços a uma mesma pessoa, desde que os objetivos e as frentes de atuação sejam distintos, como no caso de uma criança que recebe acompanhamento clínico e escolar. No entanto, cabe apontar que no caso do contexto da Psicologia Clínica, é vedado que duas psicólogas atendam individualmente a mesma pessoa, devendo ser indicado apenas uma profissional para o acompanhamento. No atendimento a crianças, adolescentes ou interditos, orienta-se que a psicóloga informe os responsáveis legais sobre essa restrição, que precisam escolher um único profissional para garantir a continuidade do serviço e a qualidade do atendimento. Os psicólogos devem sempre atuar dentro dos princípios do Código de Ética, garantindo a qualidade e a dignidade do trabalho.

 


Para saber mais:

Código de Ética Profissional da Psicóloga
Resolução CFP 008/2010 - dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no Poder Judiciário.
Resolução CFP 002/2016 - regulamenta a Avaliação Psicológica em Concurso Público e processos seletivos de natureza pública e privada.
Resolução CFP 013/2022 - Dispõe sobre diretrizes e deveres para o exercício da psicoterapia por psicóloga e por psicólogo.

 


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