O CRP18-MT compartilha a publicação do CRP-SP e se solidariza com as vítimas no litoral norte e orienta as(os) profissionais da Psicologia
A seguir acesse na íntegra a publicação do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP):
“O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP) manifesta sua solidariedade às pessoas que vivem, estão ou estiveram no Litoral Norte Paulista e sofrem com as consequências da maior chuva acumulada da história do país. Lamentamos as perdas irreparáveis de vidas, danos materiais e todo sofrimento psíquico decorrente dessa situação.
Até o momento já são 50 vidas perdidas e outras 2.500 pessoas desabrigadas. Reflexos de uma crise humanitária, ambiental e da escassez de Políticas Públicas para a gestão integral de riscos e desastres, que mais uma vez traz desafios para o exercício profissional da Psicologia.
Neste cenário, compromissado com a ética na promoção de saúde e com a defesa intransigente dos Direitos Humanos, o CRP SP traz orientações para a atuação profissional da Psicologia em situações de riscos, emergências e desastres e para a atuação voluntária.
No estado de São Paulo, os desastres naturais ocorrem com maior intensidade no início de cada ano e atingem, especialmente, as populações mais pobres e/ou que residem em condições de vulnerabilidade. A espoliação urbana, que incide no deslocamento dos mais pobres para áreas de maior risco e desprovidas do acesso à direitos básicos.
A emergência climática tem tornado esses fenômenos cada vez mais frequentes e desastrosos. O planejamento e o investimento adequado em Políticas Públicas que não só previnam os riscos, mas que sejam capazes de garantir ações nos casos em que a ocorrência do desastre é inevitável, diminuindo perdas, se fazem urgentes.
A ética orienta e suplementa a promoção de saúde e incide no diálogo com as condições de vida da população e com ações intersetoriais que garantam a proteção à vida. Embora o risco de desastre natural tenha sido notificado aos governos estadual e municipal, dois dias antes do ocorrido, pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), não houve ações articuladas e intersetoriais suficientes para contribuir com a organização, participação e deslocamento da população dos locais de risco sinalizados.
Sobre a atuação profissional neste contexto, cabe também lembrar que, de acordo com o Princípio Fundamental VI do Código de Ética Profissional do Psicólogo: “O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada”.
Logo, é preciso atentar para que o exercício da profissão, seja por vias online, seja por vias presenciais, ocorra em espaços e dispositivos os mais adequados possíveis, assegurando a qualidade do serviço psicológico prestado. Inclui-se, aqui, a divulgação adequada de nossos serviços, que não se constituem em ofertas genéricas e sensacionalistas de acolhimento, mas em processos de escuta qualificada, orientação precisa e direcionamento conforme a ciência e a técnica psicológicas, em consonância com os parâmetros considerando o estado de crise.
Temos recebido diversos relatos da criação de estratégias da categoria, na divulgação de ofertas de cuidados psicológicos à população, especialmente àquelas pessoas das regiões mais atingidas, que pertencem a grupos vulnerabilizados. E por isso, é preciso reforçar que emergências, desastres e catástrofes são questões de saúde e intervenção pública e cabe aos governos darem total assistência às vítimas em todos os campos.
A oferta de serviços psicológicos é importante instrumento de sensibilização e ampliação do acesso da sociedade à ciência e às profissões psicológicas. No entanto, a mesma não pode ser realizada de forma sensacionalista e fora dos parâmetros éticos, indicados no nosso Código de Ética Profissional do Psicólogo, conforme segue:
Art. 20º – O psicólogo, ao promover publicamente seus serviços, por quaisquer meios, individual ou coletivamente:
- a) Informará o seu nome completo, o CRP e seu número de registro.
- b) Fará referência apenas a títulos ou qualificações profissionais que possua.
- c) Divulgará somente qualificações, atividades e recursos relativos a técnicas e práticas que estejam reconhecidas ou regulamentadas pela profissão.
- d) Não utilizará o preço do serviço como forma de propaganda.
- e) Não fará previsão taxativa de resultados.
- f) Não fará auto-promoção em detrimento de outros profissionais.
- g) Não proporá atividades que sejam atribuições privativas de outras categorias profissionais.
- h) Não fará divulgação sensacionalista das atividades profissionais.
Não há impedimento na legislação profissional em prestar serviços psicológicos de forma voluntária/gratuita. Contudo, não deverá haver referências a valores na divulgação do serviço. Caso se trate de uma gratuidade, esta informação deverá ser disponibilizada individualmente. Ressalta-se, ainda, que as/os profissionais devem ter uma proposta de trabalho com início, meio e fim, ou que garanta a gratuidade por todo o período da prestação do serviço. Salienta-se que deve haver o compromisso profissional estabelecido, com direitos e obrigações, como em qualquer outra situação de sua prática. Portanto, é necessário atentar aos preceitos do Código de Ética Profissional do Psicólogo e demais normativas do Sistema Conselhos de Psicologia do Brasil, destacando-se:
Art. 1º – São deveres fundamentais do psicólogo:
- b) Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente.
- c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional.
- d) Prestar serviços profissionais em situações de calamidade pública ou de emergência, sem visar benefício pessoal.
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
- i) Induzir qualquer pessoa ou organização a recorrer a seus serviços.
- n) Prolongar, desnecessariamente, a prestação de serviços profissionais.
- o) Pleitear ou receber comissões, empréstimos, doações ou vantagens outras de qualquer espécie, além dos honorários contratados, assim como intermediar transações financeiras.
- p) Receber, pagar remuneração ou porcentagem por encaminhamento de serviços.
Art. 4º – Ao fixar a remuneração pelo seu trabalho, o psicólogo:
- a) Levará em conta a justa retribuição aos serviços prestados e as condições do usuário ou beneficiário.
- b) Estipulará o valor de acordo com as características da atividade e o comunicará ao usuário ou beneficiário antes do início do trabalho a ser realizado.
- c) Assegurará a qualidade dos serviços oferecidos independentemente do valor acordado.
É obrigação do Estado garantir e dispor de profissionais suficientes para atender as demandas pelo tempo que for necessário. Enquanto não houver garantia de direitos, não haverá promoção de saúde à todas as pessoas.
Somos um povo solidário e dentro de nossa atuação, mesmo o voluntariado deve estar dentro dos parâmetros éticos. Ações improvisadas e isoladas não responderão à complexidade demandada pela situação.
A prática da Psicologia, que deve estar baseada na defesa da garantia de direitos, considerando princípios como a integralidade e a equidade, e em ações articuladas intersetorialmente com a Defesa Civil e Políticas Públicas como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Tal prática também deve incidir na autonomia das pessoas à participação nas decisões políticas sobre seu futuro pós-desastre, como nos processos de revitalização, monitoramento das consequências, projetos habitacionais para áreas de risco e demais ações que constem no Plano de Contingência, que deve fazer parte do plano de governo dos municípios.
Dessa forma, tratando-se de serviço voluntário ou a partir de organizações não-governamentais que prestem serviços psicológicos em situações de desastres, a psicóloga/o deve se apresentar ao Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINDPEC) para integrar-se às ações e redes de atendimento já previstas no Plano de Contingência.
Nesse sentido, o CRP SP orienta os profissionais de Psicologia que estiverem dispostos a contribuir com práticas profissionais voluntárias e salienta que a “Psicologia deve estar compatível com as propostas para o serviço de proteção em situações de calamidades públicas e emergências, e deve promover ações de apoio e proteção às famílias e indivíduos atingidos por situações de emergência ou estado de calamidade pública, que se encontrem desabrigados ou desalojados (Portaria nº 90, de 3 de setembro de 2013)”.
Devem ser continuamente observadas as garantias que preservem nossa atuação, mesmo neste com texto. Assim como consta no Artigo 9º, o Código de Ética Profissional do Psicólogo, a garantia do sigilo e da confidencialidade deve ser preservada ao máximo, seja em atendimentos realizados por vias presenciais, seja em atendimentos realizados por vias online. Isto se aplica, inclusive, às intervenções que não possuem caráter essencialmente clínico – como os plantões e aconselhamentos psicológicos.
Situações de urgência e emergência (acolhimento imediato em situação de crise) devem, preferencialmente, ser atendidas de forma presencial por profissional ou equipes habilitadas para manejo de crise. Na impossibilidade do atendimento presencial, a/o psicóloga/o deve compartilhar esta responsabilidade e encaminhar, assim que possível, para profissional ou equipes presenciais, comunicando o contato de referência da pessoa atendida.
Importante observarmos e reiterarmos os limites das atuações. O Artigo 2º do Código de Ética Profissional do Psicólogo, que aponta as vedações à prática psicológica, diz que, às/os psicólogas/os, não é permitido “prestar serviços ou vincular o título de psicólogo a serviços de atendimento psicológico cujos procedimentos, técnicas e meios não estejam regulamentados ou reconhecidos pela profissão”.
Logo, toda a oferta de que possuem caráter emergencial e/ou eventual, sejam presenciais, sejam on-line, deve seguir os parâmetros científicos e oficiais de nossa profissão. Nenhuma intervenção que esteja em desacordo com as nossas resoluções, portanto, poderá ser realizada, primando, especialmente, pela qualidade da intervenção que estaremos oferecendo às pessoas atendidas.
Recordamos também que, a respeito de documentações, conforme o Artigo 14 do Código de Ética Profissional do Psicólogo: “A utilização de quaisquer meios de registro e observação da prática psicológica obedecerá às normas deste Código e a legislação profissional vigente, devendo o usuário ou beneficiário, desde o início, ser informado”. Portanto, todos os serviços prestados deverão atentar à produção dos devidos registros das intervenções realizadas – inclusive as de caráter eventual – em acordo com o que preveem as Resoluções CFP nº. 01/2009, que tipifica os registros profissionais em Psicologia e a Resolução CFP nº 06/2019, que tipifica a produção de documentos psicológicos.
Diante das recomendações apresentadas, reiteramos a importância da Psicologia no atual contexto, na partilha de informações qualificadas, ações dialogadas e articuladas intersetorialmente a partir do Plano de Contingência do SINPDEC, e em observância à não patologização do sofrimento, ao cuidado adequado aos mais diferentes grupos que venham a ser atendidos e na defesa do acesso universal à saúde e aos direitos sociais fundamentais, pelo SUS, SUAS e demais políticas pertinentes de caráter público, gratuito e de qualidade.
O compromisso social da Psicologia, orientado por valores emancipatórios e enfrentamento das desigualdades, presentifica-se nestes graves momentos de alta complexidade, em que a produção de sofrimento faz-se presente não somente em virtude das perdas e danos causados, mas também devido à negligência dos poderes públicos na relação com fatos recorrentes e anunciados.
O CRP SP seguirá atento para que a Psicologia não se coloque à parte da crise agora enfrentada, ou que a mesma seja utilizada como instrumento de escamoteamento da realidade social, perpetuação da desigualdade social e da violação dos Direitos Humanos e aqui, reitera o sentimento de pesar pelas vidas perdidas.”
Sobre este assunto o CRP-18 compartilha a “Referência Técnica para Atuação de Psicólogas (os) na Gestão Integral de Riscos, Emergências e Desastres”: https://crepop.cfp.org.br/wp-content/uploads/sites/34/2022/10/027-Crepop-Referencias-Tecnicas-para-Atuacao-de-Psicologas-os-na-Gestao-Integral-de-Riscos-Emergencias-e-Desastres.pdf
Este documento propõe uma reflexão crítica e histórica sobre a inserção da Psicologia no campo das emergências e dos desastres, ampliando as possibilidades da atuação das (os) psicólogas (os) no gerenciamento de riscos e vulnerabilidades