
Nota de repúdio ao financiamento público de "comunidades terapêuticas"
A Comissão de Direitos Humanos e Políticas Públicas do Conselho Regional de Psicologia da 18ª Região (CRP18/MT), que tem em seus objetivos buscar a garantia de um debate permanente e a construção coletiva de posicionamentos e ações da Psicologia na defesa dos direitos universais da pessoa humana e na defesa das políticas públicas, vem a público repudiar a proposta de financiamento público às instituições que declaram fazer acolhimento e/ou “tratamento” de pessoas com problemas decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas e que se autodenominam COMUNIDADES TERAPÊUTICAS e, consequentemente ser contra a inclusão destas na rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) ou Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Entendemos que é imperiosa a ampliação da rede de atendimento e cuidado de saúde mental em nosso estado, em especial em Cuiabá, por absorver boa parte da demanda dos demais municípios. Também reconhecemos a participação histórica e social de muitos desses dispositivos comunitários como entidades filantrópicas no cenário nacional.
No entanto, faz-se necessário uma rede de serviços que não contrarie a Legislação Federal e nem tampouco coloque em risco avanços que precisam continuar a serem promovidos na direção das garantias conquistadas pela Lei 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica), em favor das pessoas com transtorno mental e usuárias de álcool e outras drogas.
Referendando e evidenciando nosso posicionamento, temos o Relatório da Inspeção Nacional de Direitos Humanos nos locais de internação para usuários de drogas, nos quais foram identificados, além de não adequação às normativas nacionais de Vigilância Sanitária, violações das mais diversas, tais como: violência física, castigo, tortura, exposição de situações de humilhação, imposição de credo religioso, desrespeito à orientação sexual, intimidação, violação de privacidade, entre outras. Mesmo nos lugares onde a estrutura física está longe de ser precária, “(...) a violação de direitos, contudo, não está ausente. Esta se revela na disciplina, na imposição de normas e regras, na ruptura total dos laços afetivos e sociais ou, ainda, no impedimento de qualquer forma de comunicação com o mundo externo” (Relatório da Inspeção Nacional de Direitos Humanos nos locais de internação para usuários de drogas, CFP, 2011, p. 190).
Em que pese, alertamos que a internação nestas instituições (Comunidades terapêuticas) será de pessoas sendo “tratadas” em privação de liberdade, contrariando totalmente todos os pressupostos do SUS e até mesmo da Constituição Federal.
Portanto, a posição contrária e de repúdio da Comissão de DHPP do CRP 18/MT ao financiamento público das comunidades terapêuticas em nosso estado está pautada nos seguintes pontos:
1. Temos um histórico e diversas denúncias de violação de direitos humanos praticados dentro destas instituições, exatamente pela condição de se tratar de instituições totais, como o combatido nos hospitais psiquiátricos que tratam de pessoas com transtornos mentais e, que buscamos a extinção progressiva através da reforma psiquiátrica.
2. Vivemos em um Estado Laico e precisamos garantir serviços que respeitem todos os tipos de crença e dos que não creem, o que a obrigatoriedade de participar destas atividades religiosas como “parte do tratamento” existente nestas instituições fere a liberdade individual de culto religioso que temos como cidadãos.
3. Estas instituições oferecem “tratamento” contrariando o modelo de assistência à saúde mental de atendimento comunitário e intersetorial com foco na reinserção social e promoção de autonomia, fruto de uma luta histórica de profissionais de saúde e usuários do SUS (Luta Antimanicomial) que tem seu marco na aprovação da Lei 10.216.
4. Não temos a garantia do Estado de fiscalização nestas instituições através dos órgãos competentes, não conseguindo desta forma garantir questões como: trabalho análogo à escravidão, violação de direitos considerando as questões de gênero e identidade sexual, maus tratos, legalidade no funcionamento, estrutura física e de alimentação, profissionais capacitados, sem contar com o acolhimento e internação de adolescentes, o que por si só já confere uma ilegalidade, ferindo diversos artigos do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
5. No que diz respeito à garantia de acesso a serviços de saúde públicos e de qualidade às pessoas com transtorno mental e pessoas com problemas decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas, como dever do Estado foram criadas linhas de financiamento específicas, e normatizações pelo Ministério da Saúde (portarias 3088/11, 3090/11, 3099/11, 148/12 e demais) para que Estados e Municípios procedessem com a implementação e implantação da Rede de Atenção Psicossocial.
6. Em específico em nosso município Cuiabá, temos a Rede Municipal de Atenção Psicossocial aprovada desde 2014 pelo Conselho Municipal de Saúde, com recursos previstos e outros já recebidos (01 CAPSad 24 horas e 02 Unidades de Acolhimento), sem que, no entanto, tais serviços fossem implantados, o que nos leva a concluir e verificar que a fragilidade de atendimento nesta área é resultado do não investimento dos recursos públicos conforme preconizado e previsto.
Diante das razões expostas acima, a CDHPP do CRP18 reafirma seu posicionamento contra o financiamento público de comunidades terapêuticas para “tratar” pessoas com problemas decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas e ressaltamos aqui como garantia de um cuidado integral e intersetorial, comprometida com a reinserção social e baseados nos princípios dos direitos humanos a imediata aplicação de recursos públicos na implementação e implantação dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial que prevê diversos equipamentos como: CAPS III e CAPSad III - 24 horas, CAPSi, Consultórios na Rua, Unidades de Acolhimento (adulto e adolescente), leitos em Hospital Geral, Residências Terapêuticas, equipes de saúde mental na Atenção Básica (NASF), atendimento de urgência e emergência em UPA, equipes capacitadas e articuladas como requer uma rede de saúde nos seus diversos níveis de atenção.