
NOTA DE POSICIONAMENTO
A Comissão de Psicologia e Diversidade de Gênero e Sexual do CRP MT, vem através deste documento manifestar posicionamento contrário à Lei nº 3.046/2022, sancionada pelo prefeito, Roberto Doner, em 09 de março de 2022, e que dispõe sobre a proibição da distribuição, exposição e divulgação de material didático contendo manifestação da IDEOLOGIA DE GÊNERO, nos locais públicos, privados de acesso ao público e de entidades de ensino no município de Sinop - MT.
A tentativa de proibir o debate sobre temas que envolvam a diversidade na escola, incluindo as questões de gênero e de orientação sexual possuem caráter moralizante no processo educacional e fere o artigo 206 da Constituição Federal que estabelece a liberdade de “aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento” como um princípio do sistema educacional no Brasil. Tal proibição também é contrária ao que prevê a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação (LDB), que destaca o respeito à liberdade e o apreço à tolerância. Portanto, compreende-se que o espaço escolar deve ser pautado no diálogo e no respeito à pluralidade de ideias, constituindo-se como um ambiente favorável à diversidade.
Do mesmo modo, o teor da Lei em questão evoca o conceito de ideologia de gênero que foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como inconstitucional. Na ocasião, o julgamento vetou a proibição de discussão de pautas relacionadas a gênero nas escolas do Município de Nova Gama, Goiás. Percebe-se no texto da Lei a tentativa conservadora de atualização da ideia da ideologia de gênero, utilizando-a como um argumento equivocado para coibir o debate sobre o direito das mulheres e das pessoas LGBTQIA+.
Ademais, é importante registrar que a Lei sugere que, com a divulgação de conteúdos da suposta ideologia de gênero, haveria uma possível “desconstrução da família e do casamento tradicional”, leia-se pai, mãe e filhos. Entretanto, a realidade brasileira desenha outros cenários sobre a vida de sua população e a configuração de suas famílias, atualmente, tendo como predominância, as monoparentais. Segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), em seu Portal da Transparência, houve um aumento no índice de abandono paterno durante a pandemia, a partir de 2020.
Além disso, de acordo com dados do estudo sobre o reflexo da pandemia nos atendimentos às vítimas femininas em delegacias de polícia de Mato Grosso, realizadas pela Gerência de Inteligência Estratégica (GERIE) da Diretoria de Inteligência da Polícia Civil (PJC-MT), evidenciam que os registros de feminicídio aumentaram 79% no período de janeiro a junho de 2020, comparado a 2019. Ante o exposto, negar a possibilidade de um debate com seriedade no ambiente educacional sobre gênero e sexualidade, é ser conivente com uma história de precarização da vida, de violências físicas, simbólicas e de torturas psicológicas direcionadas à existências contra-hegemônicas, localizadas interseccionalmente, inviabilizando, inclusive, reflexões acerca das masculinidades, responsáveis por grande parte das violências institucionais, mas que também tem demonstrado estarem em situação de sofrimento mental ao não corresponderem com os ideais custosos “do ser homem”.
Vale destacar ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 13 de junho de 2019, determinou que toda e qualquer discriminação por orientação sexual e identidade de gênero seja considerada como crime. Nestes casos deve-se punir a conduta discriminatória a partir da Lei de Racismo, Lei 7.716/1989.
Sendo assim, esperamos que medidas cabíveis sejam tomadas em relação àqueles que contribuíram com a sua redação, aprovação e sanção. E, por fim, defendemos a compreensão de que a Lei nº 3.046/2022 do município de Sinop - MT, deva ser revogada pelos motivos supracitados.