
Documento de referência técnica para psicólogas(os) sobre relações raciais é lançado.
“Mais do que uma referência, esse documento é uma das respostas do Sistema Conselhos de Psicologia às demandas do movimento negro para “a produção de teorias e que contribuam com a superação do racismo, do preconceito e das diferentes formas discriminação”. Esta é uma citação logo no início da cartilha de Relações Raciais - Referências Técnica para a Atuação de Psicólogas(os), lançada esta semana pelo Conselho Regional de Psicologia de Mato Grosso (CRP 18-MT).
Este relatório também marca a retomada do trabalho do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop). A técnica do órgão em Mato Grosso, Fabiana Tozi, fez um breve histórico da atuação do centro, que foi criado em 2006 para garantir reflexões sobre a prática profissional dos psicólogos no Brasil no campo social.
Tozi explicou que o documento foi produzido por meio de referências técnicas com especialistas e sempre teve como objetivo principal contribuir para superar o racismo, preconceito e descriminação racial. Esta é uma discussão antiga, mas somente agora foi concluída e resultou na elaboração da cartilha, que poderá ser um parâmetro para atuação da(o) psicóloga(o).
Além de lançar a cartilha, o CRP aproveitou para promover um debate sobre a atuação dos psicólogos no sentido de combater o racismo ao povo preto com a participação do professor do Curso de Psicologia da UFMT Maelisson Silva Neves e da psicóloga Emanuelle Carine da Silva Souza, membro do Núcleo de Estudos de Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (Nepre/UFMT), sob a mediação de Carleandro.
A presidente do CRP, Morgana Moura, falou sobre a importância do debate. “Não basta apresentar este documento, precisamos discutir como executar”, comentou ao abrir o evento.
Carleandro destacou a construção coletiva do documento com a participação do movimento negro e agradeceu a colaboração de todos os envolvidos. Ele pontuou ainda que apesar de a cartilha representar um avanço para a classe é preciso que as discussões continuem. “Não é porque o documento foi lançado que temos de concordar. As portas estão abertas e as sugestões são bem-vindas dentro de uma construção coletiva”.
Maelisson falou que desde quando cursou a faculdade nunca foi discutido sobre estas relações raciais e a posição do psicólogo no combate ao racismo. E apesar de ser uma necessidade antiga, o documento vem num momento importante dentro do contexto político por qual o país vive e a profissão do psicólogo também vem passando.
O professor falou sobre alguns dados que assustam e pelo fato de a população passar por um branqueamento que não é pela miscigenação, mas sim pelas mortes do povo preto. Ao analisar o mapa da violência, por exemplo, percebe-se uma redução no número de mortes das mulheres brancas, mas um crescimento significativo das mulheres pretas.
“Este documento representa um passo importante para nós psicólogos. É um marco o afastamento do psicólogo do senso comum. Temos muito que lutar e este documento é uma arma na luta”, afirmou.
A psicóloga Emanuelle elogiou o retrato histórico que é trazido do povo negro para que se possa entender um pouco melhor este sofrimento. Para ela o documento representa uma conquista diante do atual momento, mas adianta que é um começo e ainda muito tem que se discutir para melhorar.
“A cartilha vem para desmistificar estas discussões e tentar chamar para uma conversa. (...) O sofrimento causado pelo racismo é uma cicatriz secreta e precisamos dar uma resposta. É um avanço, mas precisamos de mais. Este documento para um psicólogo que nunca teve contato com estudos é de fato um bom contato, mas precisa se aprofundar e pensarmos mais sobre nossas práticas”.
Talita Gonçalves, estudante de psicologia e membro dos coletivos Kilombo Cassangue de Psicologia, Só Podia Ser Preto, e Instituto de Mulheres Negras (Imune), falou sobre a necessidade de se pensar numa “psicologia preta”, levando em consideração que a colonização já foi feita de maneira a descaracterizar o povo negro que resultou no “embranquecimento” da população. “É preciso pensar que tipo de psicologia queremos e nos apropriar do que nossos ancestrais trouxeram. A colonização apagou nossa memória e precisamos de uma psicologia que pensa na comunidade africana”.