CFP repudia declarações sobre gênero e sexualidade das crianças

CFP repudia declarações sobre gênero e sexualidade das crianças

A Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP) divulgou nota de repúdio acerca das declarações da psicóloga Marisa Lobo que tratam das experiências de gênero e sexualidade das crianças.
 
“A prática da Psicologia deve respeitar o imperativo da laicidade nos processos de produção de conhecimento. A confusão entre ciência e religião torna o trabalho técnico-científico da Psicologia incongruente em seus próprios parâmetros de confiabilidade e de validade e com a ética profissional estabelecida”, afirma a nota.
 
Leia abaixo o documento na íntegra.
 
NOTA DE REPÚDIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
 
A Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia repudia as declarações da psicóloga Marisa Lobo que tratam das experiências de gênero e sexualidade das crianças.
 
Afirmamos os direitos à diversidade de gênero e de sexualidade, como se faz nas maiores democracias do mundo e em países não governados por uma só religião.
 
A prática da Psicologia deve respeitar o imperativo da laicidade nos processos de produção de conhecimento. A confusão entre ciência e religião torna o trabalho técnico-científico da Psicologia incongruente em seus próprios parâmetros de confiabilidade e de validade e com a ética profissional estabelecida.
 
Essa confusão é o que a psicóloga Marisa Lobo defende. Sua pedra angular é um conjunto de fundamentos religiosos dogmáticos que desconsidera os fundamentos e uso adequados da grande virada epistemológica do final do século XX que estabeleceu gênero como categoria de análise; desconsidera também a ética profissional que, no Brasil e para todas as categorias profissionais, constitucionalmente, devem se orientar pela régua do estado laico – considerar e respeitar a diversidade religiosa e aos que não têm religião. Uma visão religiosa não pode se impor às outras crenças nem falsear a produção técnica nem a produção científica, muito menos a ética profissional.
 
A virada do “gênero” contribuiu para a diminuição do sofrimento de milhões de mulheres, desnaturalizando a sua esperada subordinação, interpelando visões que transformavam as diferenças entre homens e mulheres em desigualdade e a violência intrínseca a estas.
 
Contribuiu também para interpelar as práticas pedagógicas que proporcionam o aumento da estigmatização e discriminação de crianças e adolescentes que não correspondem à normatividade cultural de gênero e para a orientação sexual e garantiu, por exemplo, o direito à educação de mulheres e jovens homossexuais, travestis e transexuais. O Conselho Federal de Psicologia coaduna com a construção de estratégias que visem suprimir as desigualdades vivenciadas pelas mulheres e pessoas trans em seu cotidiano, que violam seus direitos fundamentais, inclusive o direito à vida.
 
Portanto, consideramos que as declarações de Marisa Lobo e seus equívocos conceituais que falseiam uma “ideologia de gênero nas escolas” merecem contestação também no âmbito da defesa dos direitos humanos, que fundamentam as éticas profissionais. Parcelas significativas da população – sobretudo, crianças e jovens em idade escolar – estão sendo alvo de intervenções que violam seus direitos, portanto, expostas a contextos e situações ainda mais graves de vulnerabilidade a novas violação de direitos. Outras, têm seus direitos à educação em saúde e cidadania violados e negligenciados, ações também desprovidas de reflexão crítica fundamentada e que desrespeitam a diversidade religiosa da comunidade escolar.
 
As declarações públicas de Marisa Lobo diferem contundentemente da posição deste Conselho Profissional, que, atento às desigualdades do cotidiano das mulheres, das pessoas transexuais e travestis, afirma veementemente a importância da Psicologia fortalecer o debate e os ensinamentos sobre gênero e sexualidade nas escolas, que podem colaborar para o enfrentamento da violência sexual e de gênero e do preconceito transfóbico.
 
Integrantes da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia:
 
Bárbara de Souza Conte
 
Denise Socorro Rodrigues Figueiredo
 
Elisa Walleska Krüger Alves da Costa
 
Grazielle Tagliamento
 
Ileno Izídio da Costa
 
Juliana Perucchi
 
Marco Aurélio Máximo Prado
 
Maria Aparecida Silva Bento
 
Mariana Pedrosa de Medeiros
 
Rebeca Valadão Bussinger
 
Valeska Zanello
 
Valter da Mata Filho
 
Vera Lucia Carneiro Vital Brasil
 
Vera Sílvia Facciolla Paiva
 
Vladimir de Andrade Stempliuk
 
Fonte: Conselho Federal de Psicologia.