18 de maio: Psicologia ativa, política e ética só faz sentido se for antimanicomial

18 de maio: Psicologia ativa, política e ética só faz sentido se for antimanicomial

CRPMT 18

“Maluco”. “Doida”. “Louco de pedra”. Os termos populares (e vale dizer: pejorativos) relacionados às pessoas com algum transtorno mental são diversos e geralmente estão associados a aspectos negativos, indicando alguém agressivo, irracional, desconexo com a realidade, entre outros. Embora também se observe em alguns momentos da história uma glamourização da loucura, destacando a figura dos gênios de cada área. De todo modo, a pessoa com transtorno mental destaca-se como alguém intrigante para a maioria, marcada pelo desconhecimento, pelo estranhamento e, por que não dizer, pelo medo.

A existência dessas pessoas pode ser identificada ao longo da história da humanidade, bem como as mudanças sociais na forma de lidar com elas, desde as que permitiam um maior convívio social até as mais enclausurantes, mas sempre à margem da sociedade e sem direitos instituídos. Foram vistas como pessoas que necessitavam de intervenção espiritual, intervenção moral e, por fim, intervenção médica. De qualquer modo, costumam estar no lugar de objeto de intervenção externa, sem autonomia, sem cidadania, tomadas como pessoas sem potencial de saúde. E esse é um lugar propício para a ocorrência de violências atrozes.

No Brasil, um dos casos mais conhecidos de violação de direitos de pessoas com transtorno mental está retratado no documentário “Holocausto Brasileiro”, que retrata as condições em que viviam os internos do Hospital Colônia, em Barbacena, Minas Gerais. A instituição psiquiátrica, que funcionou por várias décadas e foi cenário da morte de incontáveis pessoas, é um exemplo do “tratamento” oferecido a essas pessoas dentro da lógica manicomial.

Para lutar contra tais práticas, instituições e estereótipos voltados às pessoas com transtorno mental é que surge o Movimento da Reforma Psiquiátrica, iniciado na Itália pelo psiquiatra Franco Basaglia, na década de 1970. No Brasil, a Luta Antimanicomial iniciou em meados da década de 1980, com a mobilização dos trabalhadores em saúde mental, os quais indicavam a necessidade de mudanças nos eixos jurídico-político, teórico-conceitual, técnico-assistencial e sociocultural para lidar com a noção de saúde mental. Trata-se de um posicionamento ético-técnico-político voltado para as práticas de atenção em saúde mental que priorizam um cuidado em liberdade e tem o protagonismo do usuário dos serviços como centralidade do processo.

Dessa perspectiva surge, então, a data do 18 de maio, comemorado em todo o país como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Organizado por diversos movimentos sociais, grupos, coletivos e entidades, o dia é de celebração e de luta, em espaços públicos, serviços de saúde mental e universidades. A data marca as mobilizações em torno do fechamento de manicômios e a formalização de novas legislações, a implantação da rede de saúde mental e atenção psicossocial e da instauração de novas práticas em um importante movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira, uma referência internacional. (fonte: https://www.abrasco.org.br/).

Com o gradativo processo de desmonte da Política de Saúde Mental, principalmente nos últimos quatro anos com o gradativo desfinanciamento do Sistema Único de Saúde, associado ao contexto pandêmico, os dispositivos de saúde mental modulados pelo viés antimanicomial estão cada vez mais fora do alvo de prioridades do poder público, de maneira que se materializa esse desmonte no cotidiano da assistência direta aos usuários dos serviços.

Analisando o processo de desmonte dessa Política, Moura* (2019) identificou dois movimentos simultâneos: 1) Precarização dos serviços: que  se dá pelo desabastecimento das unidades e não manutenção, até mesmo predial; e ausência de educação permanente para atualização das práticas; 2) Deslegitimação da equipe: de seu saber técnico, principalmente pela judicialização do cuidado que segue uma lógica de rendimento. Esse movimento impõe práticas de poder tais como questionar a alta acordada pela equipe. É uma deslegitimação sustentada não necessariamente por aparatos legais, mas por aspectos nocivos associados aos estereótipos em saúde mental (e se a pessoa surtar? Tem como ficar em sociedade? e uma pessoa que faz uso nocivo de drogas, não teria que ficar em abstinência?). Esse movimento se impõe exigindo eficiências de uma lógica que versa sobre noções de cura, normalidade, reforçando o movimento de “não funcionalidade” dos serviços.

A lógica de funcionalidade pelo dinâmica unidirecional (estabilidade-surto ou uso-abstinência) não pode ser utilizada para uma rede com dispositivos antimanicomiais cuja prioridade é a autonomia do sujeito, bem como os aspectos que potencializam a singularidade de seu modo de vida. A lógica de funcionalidade opera somente com recurso para justificar a manutenção do desmonte, deslegitimando as equipes e cessando financiamentos dos serviços. Para considerar funcionalidade há de se perguntar: Funciona para quê? Está a serviço de quem?

Nesse cenário, resgatar a potência do movimento de luta antimanicomial é imprescindível para interromper esse processo de desmonte, tanto no que diz respeito à depredação do financiamento da rede, quanto no que diz respeito à ruptura com processos hegemônicos de subjetivação nos questionamentos de deslegitimação dos serviços.

Portanto, neste 18 de maio, o CRP18-MT, enquanto autarquia representativa de profissionais da Psicologia em Mato Grosso, por meio da sua Comissão de Direitos Humanos e Políticas Públicas, convida toda a sociedade a juntar-se à Luta Antimanicomial na defesa de um tratamento que vise a liberdade, a autonomia, a cidadania e, dessa forma, a dignidade de pessoas com transtorno mental em todos os âmbitos, mas em especial no atendimento à sua saúde. 

Fonte: *MOURA, M. M. Crônicas de Militância e Cuidado às Pessoas que Fazem Uso de Drogas. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2019. Disponível em: https://ri.ufmt.br/handle/1/2248

Texto elaborado pela Comissão de Direitos Humanos e Políticas Públicas do CRP18-MT e alusão a data de hoje.